Com o novo governo, o debate sobre a formação dos preços dos combustíveis – responsáveis por uma parcela considerável dos custos do setor de logística – veio à tona mais uma vez. De um lado, transportadores gostariam de ver um mercado com maior previsibilidade e valores mais baixos. De outro, agentes privados, como os importadores, temem medidas intervencionistas, que podem ameaçar seu negócio.
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, vem dizendo que a estatal mudará sua atual política de precificação, que segue a chamada Paridade de Preço de Importação (PPI) – fórmula de cálculo que leva em conta todos os custos do produto até seus destinos no Brasil. Segundo ele, a intenção é adotar outros parâmetros, sem necessariamente abandonar totalmente o espelhamento com cotações internacionais.
Em sua primeira entrevista coletiva no começo de março, Prates disse que a PPI garante ao concorrente “uma posição confortável”, com a qual não concorda. A estatal, sob sua gestão, quer usar outros referenciais de preço, “no sentido de capturar mais clientes e ser a melhor opção para o cliente”.
A Petrobras permanece como a maior produtora do mercado nacional. As refinarias privadas – são seis – respondem por cerca de 20% da capacidade de refino do país. Em 2022, a estatal teve queda de 5,9% na produção de derivados, que ficou em 1,74 milhão de barris por dia. A comercialização de derivados no mercado interno em 2022 caiu 2,9%, totalizando 1,75 milhão de barris diários.
Enquanto as definições não saem – a expectativa é que a nova política de preços seja analisada e definida ainda neste semestre –, o debate prossegue. Em fevereiro, o governo anunciou a reoneração de alguns combustíveis, como gasolina e etanol, com o retorno parcial de tributos federais, como PIS/Cofins e Cide. O diesel só voltará a ser taxado a partir de 2024.
O diesel pesa de 35% a 50% nos custos de uma transportadora, lembra Adriano Depentor, presidente do conselho superior e de administração do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região (Setcesp), o maior do país. A desvinculação dos preços da Petrobras da PPI, diz, pode trazer maior estabilidade ao mercado, adequando-os aos custos de produção nacional, o que favorece o setor de transportes.
A seu ver, apesar da alteração que vai ocorrer na precificação da Petrobras, os agentes privados não devem deixar de abastecer um grande mercado como o brasileiro. “Ainda mais em um momento em que se fala muito de energias alternativas”, avalia Depentor.
Não é o que pensa o presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sergio Araujo. Para ele, se a Petrobras deixar de lado a PPI, há risco, sim, de desabastecimento. Isso porque o Brasil não é autossuficiente em derivados – especialmente diesel – e, sem a paridade, “as importações por agentes privados poderão ficar inviabilizadas”. A escassez do produto, diz o executivo, pode ocorrer principalmente em locais mais afastados das refinarias nacionais e dos terminais marítimos.
Especialistas apontam possibilidades e combinações de medidas para que uma mexida na atual forma de ditar os preços da Petrobras possa ser alterada sem grandes traumas ao mercado. Edmar Almeida, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observa que uma política de preços não alinhada à paridade de importação pode funcionar se houver um fundo de estabilização de preços. Isso para compensar as empresas quando venderem abaixo do preço internacional.
Almeida observa que a consequência de uma prática unilateral da Petrobras, sem compensações, desorganizará o mercado de combustíveis no país. Segundo ele, as importadoras de combustíveis e as refinarias privadas não têm como abandonar o alinhamento ao mercado internacional.
“Ao contrário da Petrobras, que abre mão de receitas, estas empresas vão ter prejuízo e não terão condições de continuar operando”, salienta Almeida. E se isso acontecer, acrescenta o professor, a Petrobras voltaria a ser monopolista, não sem antes provocar um problema grave na segurança de abastecimento do mercado nacional.
De acordo com Almeida, a Petrobras não conta mais com capacidade operacional para abastecer todo o mercado. Isso porque terminais e o restante da cadeia logística hoje estão no setor privado. “Dessa forma, ou teremos preços alinhados para a parcela fornecida pelas empresas privadas ou teremos risco de desabastecimento em algumas áreas do país”, diz. Nesse cenário, aponta o especialista, o mais provável seria a Petrobras importar e vender mais barato em áreas onde consegue fazer o produto chegar e, nas outras áreas, os preços seriam alinhados.
Em outra frente, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) definiu, em reunião no dia 17 de março, pela elevação gradual do percentual de biodiesel na mistura ao derivado mineral, hoje em 10%. Subirá para 12% em abril deste ano e um ponto percentual por ano, até chegar a 15% em 2026. O aumento desagrada à Confederação Nacional do Transporte (CNT) e outras entidades dos setores de transportes e automotivo, além de representantes da indústria de máquinas e equipamentos e da Abicom.
A indústria do biodiesel propôs, em fevereiro, um cronograma ao Ministério de Minas e Energia (MME) para o aumento gradual da mistura no derivado mineral. O percentual passaria a 12% em abril, 13% no mês seguinte, 14% em julho e chegaria a 15% em março de 2024. Entidades do setor, como a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e outras, vêm divulgando notas oficiais conjuntas em defesa dessa posição.
A Confederação Nacional do Transporte (CNT) e demais entidades do segmento de transportes reagiram à proposta igualmente com notas oficiais, alegando que a característica química do biodiesel nacional, fabricado por grandes produtores, danifica peças automotivas e outros equipamentos, além de ter teor poluidor e encarecer o custo do frete.
“Tecnicamente, já está provado que o percentual ideal para a mistura de biodiesel no óleo é no máximo de 3% a 7%”, afirma Adriano Depentor, do Setcesp. O aumento proposto pelo agronegócio, acrescenta ele, traz custo, desgaste prematuro dos motores e riscos de acidentes rodoviários com parada repentina de veículos.
A Abiove e outros representantes do setor de biocombustíveis responderam às críticas do setor de transportes e máquinas. Defendem sua proposta de elevação da mistura e negam que o biodiesel danifique motores e equipamentos, ressaltando seu papel em favor do meio ambiente e destacando sua capacidade de ter efeito deflacionário, baixando custos para o consumidor final. Salientam também a importância da vasta cadeia produtiva setorial para a economia.
Segundo o economista-chefe da Abiove, Daniel Furlan Amaral, o setor de biodiesel trabalha hoje com ociosidade superior a 50% e se toda a capacidade instalada for utilizada, o Brasil pode produzir 13 bilhões de litros por ano de biodiesel. “Foram 6,3 bilhões de litros em 2022. Para 2023, a perspectiva é de 7,9 bilhões de litros, 26% a mais do que em 2022, considerando o cronograma proposto ao MME para vigência a partir de abril”, diz o executivo.
Outro biocombustível, o etanol assiste de camarote à briga. Suas perspectivas são positivas. De acordo com projeções da consultoria Datagro, a produção de etanol na safra 2023/24 é de 30,96 bilhões de litros. Esse número indica elevação de 5,9% sobre o período anterior. Já para o etanol de milho, cuja produção vem crescendo, a Datagro estima um volume aumentando gradativamente até 9,65 bilhões de litros no fim da década.
“A combinação cana-milho faz com que o etanol de milho traga oferta adicional do produto, viabilizando a produção de açúcar e álcool no mix de cana praticado hoje”, disse o presidente da Datagro, Plínio Nastari, no evento Santander Datagro, que marca a abertura da safra de cana-etanol 2023/24, no começo de março.
Segundo Nastari, o prêmio pago ao açúcar como adoçante continua garantindo remuneração vantajosa aos exportadores. No entanto, salientou que a volta dos tributos federais (com alíquotas menores do que antes) sobre a gasolina e o etanol e a queda de 3,9% no preço da primeira na refinaria – anunciada pelo governo no fim de fevereiro – ajudam a recuperar a competitividade do álcool em relação ao derivado fóssil.
A União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) prefere não comentar sobre a nova política de preços da Petrobras. Informa que, no acumulado entre abril de 2022 e 28 de fevereiro de 2023, foram comercializados 15,24 bilhões de litros de álcool hidratado (0,85% acima do ciclo anterior) e 11,55 bilhões de litros de etanol anidro (alta de 16,50%). Destes totais, 6% correspondem às exportações de etanol hidratado e 12% de etanol anidro.
De acordo com o Boletim de Perspectivas para o Mercado Brasileiro de Combustíveis no Curto Prazo, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), de fevereiro, a projeção de aumento de vendas neste ano é maior para o QAV (querosene de aviação), 14%, uma vez que o setor aéreo vem apostando numa retomada pós-pandemia. Já para o óleo diesel, a previsão é de uma alta de 3,1% e para a gasolina C, de 2,4%. O GLP (gás liquefeito de petróleo) deve ter crescimento de 1,4% nas vendas e o etanol hidratado, de 2,5%.
FONTE: https://www.biodieselbr.com/noticias/biocombustivel/negocio/formacao-de-preco-de-combustivel-provoca-queda-de-braco-300323